Como funciona o quesito: SAMBA-ENREDO
A música da procissão artística, vai muito além de contar a história que acontece na avenida
O quesito que mais amo junto com bateria. Já até tentei ser compositor, concorri no Império, Colorado, MUM, mas só ganhei mesmo no Carnaval Virtual. Outro dia conto isso.
O samba-enredo representa a alma sonora do carnaval brasileiro, servindo como elemento fundamental na identidade e expressão artística das escolas de samba. Este poderoso componente musical transcende sua função primária de narrar o enredo, tornando-se a voz coletiva que embala multidões e eterniza histórias através de melodias e versos cuidadosamente elaborados. No presente texto, exploraremos com profundidade como este quesito é avaliado nos dois maiores carnavais do Brasil, identificando suas principais características, similaridades e diferenças no julgamento, além de destacar os sambas-enredo mais emblemáticos que marcaram a história destas celebrações culturais.
A Importância do Samba-Enredo na Estrutura do Desfile
O samba-enredo não é apenas uma canção que embala o desfile. Ele representa a síntese poética e musical do tema escolhido pela escola, devendo comunicar de forma clara e envolvente a narrativa que será apresentada visualmente durante a passagem da agremiação pela avenida. Muito mais que uma trilha sonora, o samba-enredo funciona como elemento unificador que conecta todos os componentes da escola em torno de uma única voz, criando a comunhão necessária para o sucesso do espetáculo.
Em ambas as cidades, São Paulo e Rio de Janeiro, o samba-enredo passou por transformações significativas ao longo dos anos. O que começou como simples narração do enredo evoluiu para composições sofisticadas que equilibram valor poético, musicalidade e funcionalidade durante o desfile. Esta evolução acompanhou o próprio desenvolvimento dos desfiles, que se tornaram mais complexos e espetaculares com o passar do tempo.
Como o Samba-Enredo é Julgado em São Paulo
No carnaval paulistano, o julgamento do samba-enredo segue critérios técnicos rigorosos estabelecidos no Manual do Julgador. De acordo com o Manual do Julgador 2025 da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, este quesito é avaliado considerando dois sub-quesitos principais: letra e melodia, cada um valendo de 4,0 a 5,0 pontos, totalizando a nota máxima de 10,011.
Sub-quesito Letra (4,0 a 5,0 pontos)
A letra do samba-enredo pode seguir duas abordagens distintas: descritiva (quando acompanha narrativamente o enredo desenvolvido) ou interpretativa (que leva implicitamente ao entendimento claro do tema, sem se fixar aos detalhes escritos no texto do enredo). Os jurados avaliam critérios específicos organizados em dois balizamentos:
Adequação, Aproveitamento e Fidelidade:
O aproveitamento que a letra do samba faz do tema, avaliando como os elementos do enredo são utilizados na construção poética
A capacidade de síntese para retratar o enredo com coerência textual, coesão e conexão entre os versos
A adequação da letra ao tema proposto, sem necessidade de mencionar detalhadamente cada ala ou carro alegórico
A liberdade de incluir trechos que exaltem a escola de samba e suas características, independentemente do enredo11
Clareza e Coesão:
A presença de clareza e coesão no desenvolvimento da letra, com penalização para frases e palavras desconexas ou sem sentido
Erros graves de português são penalizados, porém expressões do vocabulário popular, regional e/ou de caráter religioso são relevados quando justificados pelo enredo
Discrepâncias entre a letra apresentada na pasta dos jurados e a executada no desfile são penalizadas11
Sub-quesito Melodia (4,0 a 5,0 pontos)
A melodia é avaliada considerando as características próprias do samba, dividindo-se em dois balizamentos principais:
Riqueza Melódica:
A harmonia dos desenhos musicais e como eles engrandecem a letra
A adaptação da melodia à letra do samba e o entrosamento dos desenhos melódicos aos versos
O equilíbrio entre letra e melodia, considerando que quebras equilibradas em algumas divisões podem contribuir para a riqueza melódica
A variedade de desenhos musicais, sem repetições abusivas de frases melódicas11
Acessibilidade e Adequação Musical:
O equilíbrio tonal natural, evitando trechos excessivamente graves que comprometam o entendimento das palavras ou trechos demasiadamente agudos que dificultem o canto pelos componentes
A divisão melódica adequada, sem excesso de letras para pouca melodia ou grandes espaços melódicos vazios11
O sistema de penalização em São Paulo é estruturado: para cada ocorrência de falha nos critérios, há desconto de décimos específicos. Por exemplo, uma falha em "Adequação, Aproveitamento e Fidelidade" representa perda de 0,1, duas falhas resultam em perda de 0,2, e assim sucessivamente até cinco ou mais falhas, que representam perda de 0,5 pontos11.
Os Critérios de Julgamento no Rio de Janeiro
O carnaval carioca, berço das escolas de samba, também possui um sistema de avaliação rigoroso para o quesito samba-enredo. Os critérios de julgamento no Rio de Janeiro seguem bases semelhantes aos de São Paulo, mas com particularidades que refletem a tradição histórica do carnaval da cidade.
Embora não tenhamos acesso direto ao Manual do Julgador 2025 da LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), historicamente o Rio também divide a avaliação do samba-enredo em letra e melodia, com ênfase na capacidade do samba em transmitir o enredo e empolgar os desfilantes. Os jurados cariocas também avaliam como o samba é cantado pelos componentes, sua adequação ao tema proposto e sua capacidade de emocionar.
Semelhanças e Diferenças entre os Critérios de Julgamento
Apesar das especificidades de cada cidade, podemos identificar várias semelhanças nos critérios de julgamento:
Semelhanças
Ambas as cidades valorizam a adequação da letra ao enredo proposto
A divisão principal entre letra e melodia como pilares da avaliação
A importância da clareza, coesão e capacidade de síntese na letra
A valorização da riqueza melódica e da capacidade de envolvimento dos componentes
A preocupação com a cantabilidade do samba pelos desfilantes
Diferenças
O sistema de pontuação possui particularidades em cada cidade
Historicamente, o Rio de Janeiro tende a valorizar mais os aspectos tradicionais do samba
São Paulo frequentemente apresenta uma maior abertura a inovações estilísticas e temáticas
A estrutura administrativa e organizacional das ligas em cada cidade influencia os métodos de avaliação
Os Sambas-Enredo para o Carnaval 2025
Para o Carnaval de 2025, tanto São Paulo quanto o Rio de Janeiro já definiram os sambas que serão apresentados nos desfiles. Em São Paulo, as 14 agremiações do Grupo Especial apresentarão temas diversos, que vão desde biografias de artistas como Cazuza até elementos da cultura afro-brasileira como os patuás.
Algumas escolas de São Paulo que já divulgaram seus sambas para 2025 incluem:
Acadêmicos do Tucuruvi com "Assojaba – A Busca pelo Manto!"
Barroca Zona Sul com "Os nove oruns de Iansã"
Gaviões da Fiel com "Irin Ajó Emi Ojisé - A Viagem do Espírito Mensageiro"
Camisa Verde e Branco com "O tempo não para! Cazuza — o poeta vive!"
Mocidade Alegre com "Quem não pode com mandinga não carrega patuá"
No Rio de Janeiro, as 12 escolas do Grupo Especial também já definiram seus sambas, com temas que abordam principalmente elementos da cultura afro-brasileira e suas entidades, como Malunguinho, Oxalá e Logun-Edé.
Entre as escolas cariocas, destacam-se:
Unidos de Padre Miguel com "Egbé Iya Nassô"
Imperatriz Leopoldinense com "ÓMI TÚTU AO OLÚFON – Água fresca para o senhor de Ifón"
Unidos do Viradouro com "Malunguinho: O Mensageiro de Três Mundo"
Beija-flor com "Laíla de todos os santos. Laíla de todos os sambas"
Acadêmicos do Grande Rio com "Pororocas parawaras: as águas dos meus encantos nas contas dos curimbós"
Os 10 Maiores Sambas-Enredo da História de São Paulo
1. "Narainã, a Revoada dos Pássaros" - Camisa Verde e Branco (1977)
Este samba-enredo é amplamente considerado uma obra-prima do carnaval paulistano, um divisor de águas na história das escolas de samba de São Paulo. Com uma construção poética sofisticada, a composição aborda a mitologia indígena da revoada dos pássaros com profundo lirismo e sensibilidade. Sua estrutura melódica inovadora combinou elementos tradicionais do samba com sonoridades que evocam a natureza brasileira. Os versos "As asas vão cortar o céu/Num voo de esperança/Na festa da liberdade/E o índio dança..." são lembrados até hoje. A obra foi fundamental para consolidar a identidade do Camisa Verde e Branco como uma escola de vanguarda e elevou significativamente o patamar estético dos sambas-enredo paulistanos, influenciando toda uma geração de compositores que viria depois.
2. "Paulistano da Glória 1978 – Epopéia da Glória" - Paulistano da Glória
Este samba composto por Geraldo Filme é frequentemente citado como um divisor de águas no carnaval paulistano. Em 1978, venceu o 1º Concurso Nacional de Samba-Enredo, transmitido pelo programa "Fantástico", superando a safra do Rio de Janeiro daquele ano. A obra narra a Revolução Constitucionalista de 1932 e é considerada o primeiro grande samba que deu visibilidade nacional ao carnaval de São Paulo. O refrão "Laiá, laiá/Silêncio na cidade/E um brado se ouviu, liberdade" marcou a história do carnaval paulistano.
3. "Nenê de Vila Matilde 1983 – Meu gosto, abraçado a ilusão" - Nenê de Vila Matilde
Este samba fecha uma trilogia de grandes obras consecutivas desta importante escola paulistana, sucedendo "De axé ao sonho de Candeia" (1981) e "Palmares, raiz da liberdade" (1982). Composto por Armando da Mangueira e parceiros, apresenta uma estrutura poética que utiliza repetidamente a palavra "sou" para criar diferentes contextos melódicos: "Sou a viola, sou a lua que clareia/Realidade de um sonho que vagueia/Sou ilusão, com o samba pé no chão".
4. "Colorado do Brás 1988 – Quilombo Catopés do Milho Verde" - Colorado do Brás
No centenário da abolição da escravatura, este samba se destacou pela profundidade com que tratou a temática racial. Versos como "Me abraça e faz as peles mais unidas/Que beleza/Não criou raça, Deus apenas criou vidas" e "Quilombo espalhou suas raízes, e fez sua semente germinar, em ricas terras mineiras, do milho verde vem o canto pelo ar" demonstram o lirismo e a força desta obra que marcou o carnaval paulistano.
5. "Rosas de Ouro 1992 – Non Ducor Duco, qual é a minha cara?" - Rosas de Ouro
Este samba homenageou a cidade de São Paulo e embalou um dos mais lembrados títulos da Rosas de Ouro. Sua estrutura poética constrói uma declaração de amor à capital paulista, relembrando elementos nostálgicos e idealizando um futuro melhor. O refrão "Meu sabiá, ô ô ô ô/Soltou o trinar, cantou, cantou/Deu um show na passarela/Levantou a galera/Bateu asas e voou" tornou-se um clássico, especialmente na interpretação marcante de Royce do Cavaco.
6. "Gaviões da Fiel 1995 – Coisa boa é para sempre" - Gaviões da Fiel
Este samba se destacou pela leveza e pelo refrão memorável "Me dê a mão, me abraça/Viaja comigo pro céu/Sou gavião, levanto a taça/Com muito orgulho pra delírio da Fiel". A obra apresenta a essência da proposta "o que é bom pra sempre fica guardado na memória", e se tornou uma das composições mais emblemáticas da história da escola.
7. "Mar de Rosas" - Rosas de Ouro (2005)
Este samba-enredo é considerado uma das maiores joias do carnaval paulistano recente. Composto para um enredo sobre a história e o simbolismo das rosas, a obra se destaca pela riqueza lírica e pela beleza melódica. Versos como "Conta a lenda, uma prova de amor, uma transformação/Afrodite chorou, derramou seu encanto/Uma rosa nasceu, o mar se perfumou" demonstram a delicadeza poética da composição. O samba tem uma estrutura que transita entre diferentes narrativas históricas e mitológicas relacionadas às rosas, culminando em uma homenagem à orixá Iemanjá. Embora a escola tenha ficado apenas em 7º lugar naquele ano, este desfile é amplamente considerado um dos mais belos da história do Anhembi, com um amanhecer de céu azul e rosa que combinava perfeitamente com a proposta estética da apresentação. Entre os fãs de carnaval, esse samba é frequentemente comparado ao famoso "Candaces" da Beija-Flor, sendo considerado por alguns como superior em termos de qualidade musical. A magnificência do samba e do desfile, contrastada com a colocação surpreendentemente baixa, transformou "Mar de Rosas" em um símbolo de injustiça no julgamento, o que apenas fortaleceu sua posição no imaginário dos amantes do carnaval paulistano.
8. "Negros Maravilhosos 'Mutuo Mundo Kitoko'" - Camisa Verde e Branco (1982)
Samba que celebra a cultura negra e estabelece uma conexão entre o Brasil e a África. A obra se destaca pela abordagem poética da temática racial e pela força de sua melodia, consolidando a identidade do Camisa Verde e Branco como uma escola de forte conexão com a cultura afro-brasileira.
9. "Embaixada De Sonho e Bamba" - Mocidade Alegre (1980)
Este samba marca um momento importante na história da Mocidade Alegre e do carnaval paulistano. A composição apresenta uma exaltação à própria escola e aos valores do samba, com uma melodia contagiante que se tornou referência para outras agremiações.
10. "Orun-Ayê – O Eterno Amanhecer" - Vai-Vai (1982)
Um samba que aborda a cosmogonia iorubá com profundo respeito e beleza poética. Esta composição se destaca pela forma como traduz conceitos religiosos complexos em versos acessíveis e uma melodia envolvente, reforçando a conexão da Vai-Vai com a cultura negra.
Os 10 Maiores Sambas-Enredo da História do Rio de Janeiro
O carnaval carioca, com sua tradição centenária, produziu composições que transcenderam os desfiles e se tornaram verdadeiros clássicos da música brasileira. Baseando-se em premiações como o Estandarte de Ouro, rankings de publicações especializadas e reconhecimento histórico, podemos destacar os seguintes sambas como os mais significativos da história do carnaval do Rio de Janeiro:
1. "Aquarela Brasileira" - Império Serrano (1964)
Composto por Silas de Oliveira, este samba-enredo é considerado um dos mais importantes da história. A obra revolucionou a estrutura dos sambas-enredo ao apresentar uma exaltação poética às belezas naturais e à diversidade cultural do Brasil. "Aquarela Brasileira" é frequentemente citado como o maior samba-enredo de todos os tempos, aparecendo no topo de quase todas as listas especializadas1318. Sua construção melódica e lírica criou um novo paradigma para a composição de sambas-enredo e continua influenciando compositores até hoje.
2. "É Hoje" - União da Ilha do Governador (1982)
Composto por Didi e Mestrinho, este samba se tornou um dos mais populares da história do carnaval, extrapolando os limites da avenida. A obra começa com o icônico verso "Diga espelho meu, se há na avenida alguém mais feliz que eu", e transmite a essência da alegria carnavalesca. Apesar de a escola não ter sido campeã naquele ano, "É Hoje" se transformou em um hino que é executado em festas de todos os tipos pelo Brasil, sendo um dos sambas-enredo que mais transcenderam o universo das escolas de samba1318.
3. "Festa para um Rei Negro" - Acadêmicos do Salgueiro (1971)
Mais conhecido como "Pega no Ganzê", este samba dos compositores Zuzuca e Bala é considerado revolucionário em sua estrutura e dinâmica. A obra trouxe refrões contagiantes e uma linguagem mais popular e acessível, estabelecendo um novo padrão para sambas-enredo. A cadência e a força dos refrões deste samba são referência para muitos compositores e intérpretes até os dias atuais.
4. "Kizomba, A Festa da Raça" - Unidos de Vila Isabel (1988)
Este samba, composto por Jonas, Luiz Carlos da Vila e Rodolpho, embalou o desfile campeão da Vila Isabel no centenário da abolição da escravatura. A obra se destaca pela profundidade de sua letra, que celebra a cultura africana e questiona as condições sociais dos negros no Brasil, e por sua melodia marcante. Ganhou o prêmio Estandarte de Ouro de melhor samba-enredo e se consolidou como um dos mais importantes da história do carnaval carioca13.
5. "Liberdade, Liberdade! Abre as Asas Sobre Nós" - Imperatriz Leopoldinense (1989)
Obra-prima de Jurandir, Niltinho Tristeza, Preto Joia e Vicentinho, este samba foi o porta-voz de um desfile histórico sobre a Revolução Francesa e seu impacto universal. A melodia cativante e o refrão poderoso "Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós" criaram uma conexão imediata com o público. O samba ajudou a Imperatriz a conquistar o título do carnaval de 1989 e permanece sendo um dos mais cantados em rodas de samba pelo Brasil13.
6. "Explode Coração" - Acadêmicos do Salgueiro (1993)
Também conhecido como "Peguei um Ita no Norte", este samba composto por Demá Chagas, Arizão, Celso Trindade, Bala, Guaracy e Quinho narra a viagem do barco Ita do Norte para o Sul. A composição conquistou o Brasil com seu refrão energético "Explode coração, na maior felicidade! É lindo o meu Salgueiro, contagiando e sacudindo essa cidade!" Foi um dos sambas-enredo que mais rapidamente caiu no gosto popular e ajudou o Salgueiro a conquistar seu oitavo título no carnaval12.
7. "O Amanhã" - União da Ilha do Governador (1978)
De profundidade filosófica e beleza poética notáveis, este samba aborda temas como o futuro da humanidade e a responsabilidade com as próximas gerações. Composto em uma época em que os enredos ainda seguiam uma linha mais descritiva, "O Amanhã" surpreendeu pela abordagem mais reflexiva e pela melodia sofisticada, marcando um momento importante de evolução estética dos sambas-enredo.
8. "Chico Rei" - Acadêmicos do Salgueiro (1964)
Um samba histórico composto por Binha, Djalma Sabiá e Geraldo Babão, que narra a história de Chico Rei, um escravo que conseguiu comprar a sua liberdade e de outros escravizados em Minas Gerais. Reconhecido pela qualidade poética e pela profundidade com que tratou temas históricos, foi um dos responsáveis por consolidar o Salgueiro como uma escola inovadora em termos de enredo e composição13.
9. "História para Ninar Gente Grande" - Estação Primeira de Mangueira (2019)
Um dos sambas mais impactantes da era contemporânea, composto por Danilo Firmino, Deivid Domênico, Mamá, Márcio Bola, Ronie Oliveira e Tomaz Miranda. A obra questiona a narrativa histórica oficial e dá voz aos heróis esquecidos da história brasileira. Ganhou o prêmio Estandarte de Ouro, levou a Mangueira ao título e se tornou um fenômeno cultural, sendo regravado por Maria Bethânia e citado em trabalhos acadêmicos sobre representatividade histórica1317.
10. "Contos de Areia" - Portela (1984)
Composição de Dedé e Norival Reis que celebrou o primeiro desfile no Sambódromo da Marquês de Sapucaí. O samba é considerado um dos mais líricos da história da Portela, com uma melodia que flui como as areias citadas no título e versos de grande beleza poética. A obra consolidou a tradição portelense de sambas-enredo de alta qualidade musical e ajudou a escola a fazer um desfile memorável na inauguração da Passarela do Samba13.
As estrelas quase anônimas: os compositores
O compositor de samba-enredo é o verdadeiro poeta do carnaval, aquele que em versos e melodias traduz a alma de uma escola e dá voz à comunidade. Apesar da centralidade de suas criações para o maior espetáculo a céu aberto do mundo, estes artistas raramente recebem o reconhecimento proporcional ao seu talento e contribuição. Enquanto carnavalescos, intérpretes e diretores ganham projeção nacional, os compositores frequentemente permanecem anônimos para o grande público. São artistas que, apesar de criarem as obras que embalam milhões de foliões e ficam gravadas no imaginário popular, muitas vezes precisam manter empregos paralelos para sobreviver. Esta discrepância entre a importância de sua arte e a invisibilidade de seus nomes representa uma das grandes injustiças do universo carnavalesco. Apresento abaixo os grandes nomes que fizeram história e os compositores contemporâneos que já conquistaram seu espaço no panteão do samba.
5 Grandes Compositores Históricos do Rio de Janeiro
1. Silas de Oliveira (Império Serrano)
Considerado por muitos o maior compositor de sambas-enredo de todos os tempos, Silas revolucionou o gênero com "Aquarela Brasileira" (1964), frequentemente citado como um dos melhores sambas-enredo já criados. Uma eleição promovida pelo jornal O Globo em 2003 selecionou seu samba "Heróis da Liberdade" (1969) como o melhor samba-enredo da história. Nascido em 1916 em Madureira, Silas foi um dos fundadores do Império Serrano e teve 14 sambas cantados pela escola.
2. Mano Décio da Viola (Império Serrano)
Grande parceiro de Silas de Oliveira, juntos compuseram o que muitos consideram o primeiro verdadeiro samba-enredo: "Conferência de São Francisco" (1946). Décio foi um dos pilares da ala de compositores do Império Serrano e figura fundamental na evolução estética do samba-enredo.
3. Dona Ivone Lara (Império Serrano)
Pioneira absoluta, foi a primeira mulher a assinar um samba-enredo, quebrando barreiras em um universo predominantemente masculino. Fazia parte da ala de compositores da Império Serrano e foi coautora de "Os Cinco Bailes da História do Rio" (1965), samba que a consagrou como compositora.
4. Martinho da Vila (Unidos de Vila Isabel)
Antes mesmo de se tornar nacionalmente famoso como cantor, Martinho já compunha sambas-enredo. Em 1959, ainda como Martinho José Ferreira, compôs "Machado de Assis" para a Aprendizes do Boca do Mato. Posteriormente, na Vila Isabel, criou obras como "Kizomba, Festa da Raça" (1988), considerado um dos maiores sambas da história do carnaval.
5. Aluísio Machado (Império Serrano)
Com 14 sambas-enredo vencedores no Império Serrano, Aluísio é lembrado especialmente por "Bumbum Paticumbum Prugurundum" (1982), obra que incluiu o termo "superescolas de samba S.A." como crítica à crescente comercialização do carnaval. O samba foi tão impactante que recebeu elogios até de Carlos Drummond de Andrade, que o descreveu como uma "formidável onomatopeia".
5 Grandes Compositores Históricos de São Paulo
1. Geraldo Filme
Um dos mais importantes compositores do samba paulistano, foi responsável pelo samba "Paulistano da Glória 1978 – Epopéia da Glória" (1978), que venceu o 1º Concurso Nacional de Samba-Enredo transmitido pelo programa "Fantástico", superando a safra do Rio de Janeiro daquele ano. Este samba, que narra a Revolução Constitucionalista de 1932, é considerado um divisor de águas no carnaval paulistano.
2. Seu Ideval (Ideval Anselmo)
Compositor de mais de 25 sambas-enredo, é considerado um "griot do carnaval" paulistano. Sua obra mais célebre é "Narainã, a Alvorada dos Pássaros" (1977), eleito o samba do século do carnaval paulistano em um concurso promovido pelo jornal Folha de São Paulo em 1999.
3. Jordão
Parceiro de Seu Ideval e Zelão no samba "Narainã, a Alvorada dos Pássaros" (1977), é uma figura importante na história do samba-enredo paulistano. O samba que narra uma lenda indígena é considerado uma das obras-primas do carnaval de São Paulo.
4. Zelão
Completando a tríade de compositores de "Narainã", Zelão contribuiu para criar um dos sambas mais emblemáticos da história do carnaval paulistano, que apresenta uma estrutura poética e melódica sofisticada para contar uma lenda indígena.
5. Armando da Mangueira
Compositor do samba "Nenê de Vila Matilde 1983 – Meu gosto, abraçado a ilusão", que fecha uma trilogia de grandes obras consecutivas desta importante escola paulistana. O samba apresenta uma estrutura poética que utiliza repetidamente a palavra "sou" para criar diferentes contextos melódicos.
5 Compositores Atuais Consagrados do Rio de Janeiro
1. Cláudio Russo
Um dos compositores mais requisitados do carnaval carioca atual, assina o samba da escola Paraíso do Tuiuti pelo sexto carnaval consecutivo. Sua capacidade de traduzir enredos complexos em letras acessíveis o coloca entre os grandes nomes contemporâneos.
2. André Diniz
Compositor com 19 sambas-enredo apenas na Vila Isabel, é considerado um dos mestres da nova geração. Sua obra "Soy loco por ti, América" (Unidos de Vila Isabel, 2006) ajudou a escola a conquistar seu segundo título no Grupo Especial e consolidou sua reputação como um dos grandes compositores contemporâneos.
3. Diego Nicolau
Um dos compositores mais vitoriosos da nova geração, assinou seu sexto samba na Mocidade Independente. Sua capacidade de adaptação às mudanças estéticas do carnaval contemporâneo o coloca como referência entre os novos compositores.
4. Marcelo Adnet
Conhecido nacionalmente como humorista, Adnet conquistou respeito no mundo do samba como compositor. Participou da parceria vencedora da Mocidade Independente e tem feito parcerias em diversas escolas, tanto do Rio quanto de São Paulo.
5. Gustavo Clarão
Compositor de grande talento da nova geração, é o autor do samba da Paraíso do Tuiuti para 2025. Tem conquistado seu espaço nas disputas de samba-enredo nos últimos anos, mostrando versatilidade e profundo entendimento da tradição do samba.
5 Compositores Atuais Consagrados de São Paulo
1. Gui Cruz
Um dos responsáveis pelo bicampeonato da Mocidade Alegre, Gui Cruz se consolidou como um dos grandes nomes do samba-enredo paulistano. Seu trabalho é reconhecido pela capacidade de criar sambas de grande impacto emocional e alta funcionalidade durante o desfile.
2. Os Gêmeos
A dupla de irmãos compositores tem deixado sua marca no carnaval paulistano, compondo sambas-enredo de grande aceitação popular. Sua habilidade para criar refrães marcantes e de fácil assimilação é uma de suas principais características.
3. Vitor Gabriel
Jovem compositor que tem se destacado nas disputas de samba-enredo em São Paulo, especialmente nas escolas da zona norte paulistana. Sua capacidade de fundir elementos tradicionais com uma abordagem contemporânea tem chamado a atenção de críticos e amantes do carnaval.
4. Aquiles Poesia
Compositor que se destaca pela sofisticação poética de suas letras, assina o samba da Rosas de Ouro para 2025. Seu estilo combina profundidade lírica com melodias cativantes, o que tem garantido seu lugar entre os grandes compositores da atualidade.
5. Armênio Leão
Com mais de 18 sambas-enredo em seu currículo, Armênio é um dos compositores mais prolíficos do carnaval paulistano atual. Apesar do sucesso como compositor, mantém seu trabalho como analista de marketing em uma operadora de telefonia, exemplificando a realidade de muitos compositores que precisam conciliar a arte com outras profissões.
O samba-enredo continua sendo um elemento vital e em constante evolução nos carnavais de São Paulo e Rio de Janeiro. Os critérios de julgamento, embora mantenham uma base tradicional, também se adaptam às transformações naturais do gênero e às demandas das novas gerações de compositores e público.
Tanto em São Paulo quanto no Rio, observamos atualmente uma tendência de valorizar sambas que equilibrem a fidelidade ao enredo com qualidade poética e musical, sem perder de vista a funcionalidade durante o desfile. A capacidade de emocionar e envolver os componentes e o público permanece como um valor fundamental deste quesito tão importante para o espetáculo do carnaval.
O samba-enredo transcende sua função técnica dentro do julgamento para se tornar patrimônio cultural imaterial, com composições que permanecem no imaginário popular muito além dos dias de folia. Eles são documentos históricos que registram não apenas os temas específicos de cada escola, mas também o zeitgeist de cada época, demonstrando a capacidade única do carnaval brasileiro de transformar história e cultura em poesia e música.
Os grandes sambas-enredo não apenas garantem pontos no julgamento, mas eternizam momentos, constroem identidades e elevam o carnaval brasileiro ao status de uma das maiores manifestações culturais do planeta.



